Lost Feelings

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Sonhar é amar, sonhar é ser criança, sonhar é ter esperança...

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O mar, o Oceano

O Mar, o Oceano



Por mais voltas que se dê, o mar é uma invenção que não é recente, o mar, que já vem citado nos recônditos mitos sumérios, na Bíblia, é um mar diferente daquele de que hoje se fala.


De facto, nestes antigos tempos, fala-se de um mar, um fluxo primordial sem destrinça (separação, desenredo, esclarecimento), um princípio antagónico, um caos ilegível.


Os gregos têm fama de marinheiros, mas não se pense que o mar foi inventado por Homero ou por anónimos navegadores helénicos.


Com o périplo de Ulisses pelo Mediterrâneo, a caminho da Itaca natal, irrompe uma noção nova de ar, oceano, um certo imaginário sobre o mesmo, que ainda é um arrepiante mundo intermédio, entre o maravilhoso e real.


Este império marítimo é fantástico, onde existem irremediáveis manhas, que mesmo hoje algumas sejam superadas, continuam a ser um enigma que só Deus pode desvendar.


Naquela altura, o mar, a partir da caracterização de Luís de Camões, era um mar de surpresa, aterrada, inocente e deslumbrada, nos limites extremos, paço a citar:


“Contar-te longamente as perigosas


Cousas de mar, que os homens não entendem:


Súbitas trovoadas temerosas,


Relâmpagos que ar em fogo acendem,


Negros chuveiros, noites tenebrosas,


Bramidos de trovões que o mundo fendem”


(Os Lusíadas V, 16)


O pequeno texto de o mar, o oceano, foi apenas uma pequena introdução para avançar para aquilo que quero realmente escrever, que é o Surf.


Para mim escrever sobre Surf, parece-me ser um motivo tão válido, como o de escrever sobre factos verídicos ou romances, pois, escrever sobre surf é ainda, uma actividade pouco praticada, um pouco ao contrário do surf, que hoje em dia, parece estar por todo o lado. Pode, aliás fazer algum sentido que os actos de escrever e de surfar não andem propriamente de mãos dadas, afinal o verbo surfar é um anglicismo que remete para a ideia de deslizar á superfície da água e é muito provavelmente esta ideia de superficialidade que primeiro é associada ao surf. Escrever implica invariavelmente um esforço reflexivo, que vá além da superfície.


Mas uma coisa é o preconceito, outra é o acto de que existe, se bem que, mesmo nas publicações de surf, a palavra escrita tenha um lugar secundário, subalternizada pelas fotografias, na verdade, o surf chegou-nos ( a nós Ocidentais), primeiro pela palvra.


A primeira descrição foi feita pelo Capitão James Cook:


- “I could not help concluding that this man felt the most supreme pleasure while he was driven on so fast and smoothly by the sea”, nos seus relatos da sua viagem ao Pacifico, em finais do século XVIII, quando escreveu com admiração sobre o “prazer supremo” que os nativos tinham quando deslizavam sobre a parede das ondas. Cook ao falar do “prazer supremo” e ao descrever todo o processo de escolha de ondas, bem como as dificuldades que enfrentavam os nativos cada vez que arriscam ter o prazer de deslizar no mar, acabou por tornar o surf mais do que um simples desporto. A imagem do surf ficou marcada desde a génese: estávamos perante um desporto, mas, também , perante uma experiência social, que rotula, humilha, destrói aquele que faz surf, pois esse é constantemente estereotipado, penso que talvez, há alguma décadas atrás fosse o “normal” estereotipo, o do surfista, mas hoje, já levanto muitas questões acerca de se concluir algo de uma generalidade que ocorreu há décadas, não será isso falacioso?




A evolução da escrita sobre surf é talvez o mais exacto reflexo do lugar e da imagem que o surf foi ocupando ao longo dos tempos: do espanto inicial com os nativos no Pacifico, passando pela Califórnia campestre, de fantasia, idílica do pós-guerra, pelos relatos dos surfistas viajantes em busca do “verão sem fim” e pela representação do surf como paradigma da contra-cultura, até aos relatos de um circuito mundial, cada vez mais á imagem dos outros desportos. Se olharmos para trás e lermos as ontologias de textos sobre surf, encontramos nelas uma história da identidade do surf e das suas transformações. Mas, para além do retrato social, há uma característica essencial que persiste, a mesma que o Capitão James Cook vislumbrou, o surf é essencialmente fonte do “prazer supremo”, de difícil descrição e não comparável com outros prazeres, dai, muitos surfistas, incluindo eu, dizermos:


- “Que prefiro uma boa surfada, de que uma boa noite na cama com a miúda mais linda e bem-feita”.


O que estou a tentar escrever, ou, exprimir, não é o que o surf é, embora dê uma ideia acerca desse tema, mas, o que quero mesmo é escrever acerca do efeito que o surf produz em nós.


Quem tenha, ainda que por breves momentos, experimentado remar com uma onda a aproximar-se pelas costas, dando umas braçadas mais fortes, para depois sentir a prancha descer, perdendo-se o chão estável, e, com um pouco de água na cara, deslizando, a uma velocidade tão diferente e incomparável a todas as outras, sabe que a experiência de surfar, deixa marcas indeléveis e incomparáveis, marcas essas, que se projectam no resto da vida desde logo, porque ao contrário da maior parte das coisas que na vida parece acabar, cada onda que termina deixa-nos com uma vontade quase absoluta de voltar ao inicio, uma vontade que parece não ser sóbria, quase posso dizer que é uma vontade comprável com a de fumar uma boa ganza.


No mar, mesmo quando a energia já nos falta, somos impelidos a repetir tudo, o remar de regresso ao sítios onde as ondas quebram, forçando a corrente, empurrando a prancha por debaixo da espuma, para então poder-mos voltar a percorrer uma onda, parece que enquanto estamos a percorrer a onda, nada mais existe, sem ser a natureza e nós, querermos ficar para sempre presos naquele


“mundo” onde a liberdade no seu sentido literal é tomado por todo, onde não existem regras, onde tudo desaparece, tudo o que sonhamos, mas, também, em terra, onde vivemos com a cabeça posta no mar, nas ondas surfadas, nas imaginadas e naquelas que iremos surfar.


Quem faz surf, sabe que a experiência não se limita ao mar, contamina toda a vida quotidiana e leva a que passemos a olhar com outrso olhos para as coisas terrestres, para além do mais, para um surfista, a ideia do mundo perfeito confunde-se com o prazer de deslizar nas ondas, mas, também com as coisas que lhe estão associadas, a busca e a espera por ondas, o sal frio na cara, as paredes de água que se abrem á nossa frente.


Poderia continuar a escrever, até escrever um livro, mas para terminar, vou só deixar clara a ideia do “mundo perfeito” para um surfista, ideia esta que é acompanhada, por água de temperatura quente, água azul, ondas de tamanho perfeito, em que nelas se possam meter e ficar dentro das ondas uma eternidade, onde fortes são os raios solares e quente é a brisa que passa por entre as palmeiras na areia de um oásis situado no meio do mar, sitio este longínquo da sociedade que parece estar cada vez mais confusa, agressiva e que já não mais existe, apenas sobrevive, este é o artigo que escreve, espero que gostem…






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